Thursday, December 29, 2005

DOMINGO, 30 DE DEZEMBRO DE 1973 (Continuação)

O furriel Alberto Araújo, ao chegar à cabeça da coluna, deparou-se com um quadro deveras sinistro. Não se conteve e, levando as mãos à cabeça, chamou pelos seus homens. Disparou várias rajadas para ambos os lados do mato e, de seguida, atirou-se ao rádio transmissor a fim de transmitir a horrível notícia e pedir auxílio:
— Alô! Alô! Aqui Charlie do Zóbuè. Enviar moscas com máxima urgência. Temos vários foxtrots. Repito: enviar moscas. Temos vários foxtrots e amarelos.
A FREAC — grupo de combate da 6ª Companhia do Batalhão de Comandos, também recém- chegada de Capirizange, embrenhou-se no interior do capim, fazendo uma batida ao terreno.
Passada uma longa hora, — no mato, os ponteiros do relógio capricham em não avançar — é que foi, então, possível vislumbrar, rasgando o espaço aéreo, de azul pintado, os helicópteros para as evacuações. Apesar da segurança montada em redor, pelas NT, foi ainda escutada uma derradeira rajada, disparada bem das entranhas do capim, em direcção do último hélio, em manobras de descolagem.
Perante a necrófila situação, o furriel Carlos Marques, encarregado pelo cerra-filas, como graduado mais antigo ali presente, sentiu-se na obrigação de passar a comandar a coluna.
Para o furriel Gabriel Medeiros, com destino aos Pisteiros, um apertado nó sufocou-lhe a garganta. A pedido do soldado Vilela, fora incumbido de colocar nos correios, na cidade da Beira, uma carta para a sua família. Que fazer, agora que o companheiro só chegará a casa num caixão de chumbo? As cinzas do mato, por certo, que tragaram as palavras simples e afectuosas do nortenho, amassadas com a seiva da vida.
Para a história, fica o registo da morte dos soldados Vilela, Álvaro Santos, Adão, Manuel Santos e o condutor do Unimog 404, Domingos M. Carrazedo, pertencente à CCS. A estes, acrescente-se o furriel Felismino Gomes, o 1º cabo Manuel Alberto, os soldados Silva Gomes, Teixeira (Lixa), Aguiar Pereira e ainda dois civis, feridos em combate.— Honra e glória às suas almas!


DOMINGO, 30 DE DEZEMBRO DE 1973

Tac! Tac! Pumm!!! Pumm!!! Trárárá Trárárá Pumm!!! Tac! Tac! Trárárá Trárárá Pumm!!! Trárárá Trárárá Trárárá ...
O sinal foi dado por dois tiros de pistola, pelas 15 horas e 15 minutos. Acto imediato, uma granada de bazuca estoirou de encontro à porta do lado direito do Unimog, quando este contornava a derra-deira curva do Morro da Mosca. O soldado condutor, ferido, conseguiu deter a viatura por entre os tiros de Kalashnikov e os disparos de G-3, misturados com a vozearia grave dos homens, donde sobressaiam vozes indecifráveis e gritos de dor. O sangue, às golfadas, desatou a correr rápido por entre os destroços do que fora uma viatura militar. A terra amarela empapou-se, escurecida pelo sangue, pelo suor e pelas lágrimas dos indefesos filhos desta ingrata nação. A areia dos sacos de protecção misturou-se com a terra lamacenta do chão.
Num ápice, o inferno transferiu-se para aquele local do mundo.
No chão frio, envolvidos num misto de lama e sangue, jaziam cinco homens. No interior da vala, à beira da picada, o soldado Cruz, prostrado sobre a arma, a cabeça metida numa pequena cova, tentou controlar a respiração, na ânsia de não fazer sequer um único movimento em falso.
De bruços, ao lado do rodado traseiro da viatura acidentada, o furriel Felismino Gomes, com o braço direito rasgado, apercebeu-se da gravidade da situação, mas deixou-se permanecer imóvel, com a cabeça pousada num pequeno charco de sangue.
Dois negros, do IN, aproximaram-se, disparando em rajada. Com o cano da arma, rodaram, entre 90º e 180º, os corpos prostrados por terra.
No outro lado da picada, o soldado Vilela, acordando do pesadelo, gritou:
— Ai! Ai! Socorro! Mãe! Mã...
Logo, um dos negros da Frelimo, apontando a arma, disparou-lhe dois tiros na cabeça, silenciando para sempre aquela voz de falsete. Acto contínuo, despejou quase um carregador nos corpos que ainda se encontravam prostrados sobre o resto da carroçaria, enquanto o outro se inteirava do estado do furriel Felismino Gomes, do cabo Cruz e do soldado Silva, rodando-lhes o corpo com os pés. Sem vislumbrar qualquer sinal de reacção, apoderaram-se das G-3 e penetraram no mato, tão rápido como apareceram sempre disparando para a retaguarda.
Choveram morteiradas e as granadas de mão distribuíram, em chuveirinho, os seus estilhaços no interior do capim. A reacção das NT, dispersas pelo grosso da coluna, obrigara os atacantes a deban-dar em retirada.
A chegada de duas viaturas com reforços de Capirizange, a cerca de três quilómetros, contribuiu para a rápida retirada do inimigo que, perseguido, ainda teve maneira de deixar espalhado pelo terreno pedregoso, coberto com espesso capim, pedaços de algodão ensanguentado.

SÁBADO, 29 DE DEZEMBRO DE 1973

Acordámos molhados. Nem o poncho conseguiu proteger-nos da pesada torrente de água que caiu durante toda a noite. Mas como "chuva civil não molha militar", ... !
Esta coluna está sendo muito penosa para o 2º pelotão. Para agravar a situação, o rebenta-minas avariou-se e teve de ser rebocado por um 404 até Mussacama, durante mais de uma hora.
Improvisado, à pressa, o 404, da CCS, passou de cerra-filas para primeira viatura do grupo. E lesto, começou a acumular quilómetros na picada da Viúva Henriques, abrindo caminho às restantes viaturas entafulhadas de militares.
Finalmente, eis-nos chegados, sãos e salvos, ao destacamento. Aguarda-nos, um mês de isolamento.



Friday, December 23, 2005

SEXTA-FEIRA, 28 DE DEZEMBRO DE 1973

Mal regressados à nossa nova casinha e eis-nos, de novo, lançados à aventura, à descoberta de novas paragens.
Neste dia molhado, a espaços, choveu a cântaros. O capim agradece à mãe natureza tamanha precipitação. E beneficia para crescer, crescer, ... e crescer. O inimigo aproveita-se da situação para nos emboscar, bem camuflado. Esperemos que sem resultados positivos. É preciso estarmos sempre alerta!
A progressão da coluna foi tão lenta que demorou um dia de trabalho, do Zóbuè até às redondezas de Mussacama, apesar do percurso, sempre a descer.
São necessários cuidados suplementares. As Nossas Tropas são constantemente observadas e seguidas, a cada passo.


QUINTA-FEIRA, 27 DE DEZEMBRO DE 1973

Finalmente, remediada a avaria no camião, a coluna pôde retomar caminho. A pobre ração de combate esfumou-se. A fome alimenta-se com a esperança de chegar a casa. E é tão bom regressar a casa!
Pelas três horas da tarde, sob um céu cinzento, ultrapassada a inclinação dos 10 %, a população do primeiro aldeamento, às portas da vila, assomou ao exterior das suas cabanas. À nossa passagem, as crianças chamavam por nós, gritavam e acenavam, saltitando na terra seca, em nossa direcção. Depois, corriam, escoltando-nos em louca algazarra até à porta do quartel. Para aqueles pobres inocentes, somos os seus heróis.
À chegada, a Companhia saudou os resistentes da picada com vivas e olés como se observassem uma faena, a contento. Misturaram-se os abraços. Procurou-se saber novas de cá e de lá. Aguardou-se a correspondência de Portugal.
Última hora: o primeiro pelotão vai render o terceiro grupo de combate que se encontra no destacamento de Viúva Henriques. A partida é já amanhã, de manhã. Sem perda de tempo, toca a preparar a bagagem necessária para um mês em pleno mato. Desejem-nos boa sorte!

QUARTA-FEIRA, 26 DE DEZEMBRO DE 1973

A coluna continuou a sua via-sacra, aos soluços. Tarefa árdua é picar a terra e flanquear o mato. Os nossos soldados não estão preparados, nem física, nem psicologicamente, para desenvolver tão violento esforço em confronto com a natureza rude e dura. Os nervos entram em ebulição. Na Metrópole, foi-lhes ministrado alguma teoria, mas a prática é bem diferente. O IAO não passa, afinal, de autêntica cowboiada, com soldadinhos de carne e osso aos tirinhos de salva uns contra os outros, jogando à cabra-cega. Que infâmia!
Um camião, carregando milho e legumes para a Angónia, entregou o radiador ao diabo. Encontrar água na picada, só nos rios. Como já passáramos de Mussacama, resultou que pudemos contabilizar mais uma noite, mal passada, na picada, regada pelo sereno nocturno. Viver em contacto com a natureza é muito saudável! Mas nem tanto!
No quartel, já não há rádios para as operações. Pifaram todos. Uma autêntica epidemia africana atacou-os, deixando as NT isoladas do exterior.
Não há rádios para o 4º pelotão fazer a operação marcada para hoje. Deste modo, o grupo limitou-se a bater a zona e arredores de onde soaram os tiros de ontem. O grupo descobriu um trilho que limita a fronteira entre Moçambique e o Malawi e seguiu a pista até vislumbrar um aldeamento repleto de palhotas, em território malawi-ano. O alferes Gomes, que teima em caçar turras, — Vamos fazer um picadinho! —viu os seus intentos derrotados pela nega do seu pessoal em penetrar em terrenos estrangeiros.

TERÇA-FEIRA, 25 DE DEZEMBRO DE 1973

É Natal! “Glória a Deus nas Alturas e Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade". Quase esquecemos que é Natal! Esta noite de Natal, aguardada com ansiedade por milhões de pessoas em todo o mundo, foi igual às demais, passadas de há um mês a esta parte. Não houve glórias, nem Pai Natal, nem presentes, nem consoada, nem luzinhas coloridas piscapiscando, nem o pinheiro de Natal. Foi uma noite cheia de nada. Perdão, no firmamento límpido, biliões de estrelas cintilaram. Na terra moçambicana, o ar morno continuou a aquecer os corpos, escravos da incongruência bélica de uma alcateia de lobos atacada por senil demência.
De manhãzinha, saiu a coluna. Sempre a obrigatória protecção aos camiões da ÁGUIA, da CLAN e da SWIFT, aos particulares de transporte de mantimentos de e para a Angónia, Rodésia, África do Sul, Malawi e Tanzânia, aos machimbombos e às viaturas ligeiras.
Feita a entrega das viaturas, a nossa coluna retornou com os veículos provenientes das colunas de Caldas de Xavier e de Moatize.
A noite caiu rápida, como é habitual em África. A pernoita teve lugar em Capirizange, pequeno aldeamento protegido por um pelotão da 3ª Companhia e para o qual foi destacada uma secção da nossa Companhia, da responsabilidade do furriel Araújo — Ah! Leão! Os bons amigos deste destacamento fizeram questão de partilhar connosco uma sopa quente. No final, trocaram-se votos de Feliz Natal. Afinal, sem enfeites e sem hipocrisias, cumpriu-se o Natal na picada. Obrigado, Capitão Freitas.
No Zóbuè, um soldado negro, completamente bêbado, disparou nove tiros de G-3, compassados. Chamado à razão pelos superiores, apanhou uma valente tareia com assinatura dos seus conterrâneos. Enquanto isto, foram escutadas rajadas de Kalash entre o quartel e o furo da água. O reforço — grupo de quatro militares destacados, rotativamente, — aterrorizado pelo medo, galgou terreno e refugiou-se no quartel. Onde estão os valentes soldados, afinal? Perdoados pelo Capitão, retomaram a sua posição avançada. Uma secção saiu a patrulhar a zona e conseguiu apanhar um homem negro nas redondezas. Foi conduzido ao quartel para averiguações e posteriormente entregue à PIDE-DGS, onde foi vítima de fortes agressões físicas por parte do chefe.
O pouco pessoal que teve coragem para aquecer os lençóis deitou-se vestido com o traje de luta e o dedo no gatilho. Assim se faz a “Paz na Terra”.

SEGUNDA-FEIRA, 24 DE DEZEMBRO DE 1973

Um padre do Seminário chegou ao quartel com enorme aflição. Motivo: uma mina anti-pessoal rebentara no carro daquela instituição. Acto contínuo, saiu uma patrulha que conseguiu desactivar outras duas minas idênticas, vulgo caixa de pomada.
No posto do poço da água, foram observados quatro negros suspeitos de actividades terroristas. Foi encetada uma perseguição e um membro do quarteto foi apanhado e aprisionado no centro da vila. Conduzido ao quartel, foi alvo de um extenso interrogatório sobre a sua pessoa, suas actividades e suas relações com o IN e acabou entregue ao chefe Osório, da polícia política PIDE-DGS.
Ao cair da tarde, a Companhia reuniu-se em formatura e foi avisada pelo comandante de um possível ataque, uma vez que fora encontrado um bilhete, convidando a população a abandonar os aldeamentos.
O jantar — leitão à Bairrada — apesar do esmero do pessoal, foi novamente um fiasco.


Monday, December 19, 2005

SEXTA-FEIRA, 21 DE DEZEMBRO DE 1973

Fim de tarde. Regresso ao quartel. O cansaço apodera-se de todos nós. O duche retemperador, frio, aguarda-nos para uma valente ensaboadela libertando-nos do sebo acumulado nestes dias.
Ainda bem que o furriel vague-mestre mostrou consideração por este punhado de homens e pudemos saborear um macarrão en-graxado com ovos. Ao fim de quatro dias, tentando enganar a fome com a ração de combate e com as suculentas mangas maduras dos jardins do Seminário, autênticos manjares divinos, uma refeição quente sabe sempre bem para aconchegar o estômago.


QUARTA-FEIRA, 19 DE DEZEMBRO DE 1973

A coluna saiu tarde, por inoperacionalidade do parque auto. Com ela, seguiu o furriel Alberto Araújo com uma secção para reforçar o destacamento de Capirizange, da responsabilidade da 3ª Companhia.
Companheiros do mesmo ofício, os militares da 3º Companhia, conscientes das enormes dificuldades por que passamos, são um manancial de amabilidades. Ficamo-lhes imensamente gratos pela cedência de água, sabão e de uma refeição quente, sempre que lá pernoitamos.


TERÇA-FEIRA, 18 DE DEZEMBRO DE 1973

Às seis horas, o primeiro pelotão, em formatura, saudou a sentinela da porta de armas, no início de mais uma operação — Destino 1. Atravessámos a vila e seguimos pelo caminho que conduz ao Seminário. Depois, penetrámos no mato, sob as ordens do alferes Gonçalves. O capim altíssimo cobria a nossa passagem, no reconhecimento do terreno.
À noitinha, uma chuva diluviana desabou sobre a terra. Por fim, encontrámos refúgio algures numa construção abandonada e pernoitámos protegidos pelo alpendre. Sobram-nos três dias nesta busca desenfreada através do desconhecido. Felizmente, no meio do vasto mato, ainda existem estes oásis, onde crescem árvores de fruto, principalmente mangueiras.



DOMINGO, 16 DE DEZEMBRO DE 1973

Hoje é Domingo. Dia do Senhor! Despertámos na doce calmaria africana. Um largo grupo de soldados, dispensados dos serviços mínimos a cumprir no quartel, e autorizados pelo comandante, deslocou-se à igreja, em cumprimento do preceito dominical, segundo a religião católica. Antes da saída, retiveram, compenetrados, as advertências cautelosas proferidas pelo simpático número um da 2ª Companhia do Batalhão 5014.


SÁBADO, 15 DE DEZEMBRO DE 1973

Às dez horas, em ponto, teve início o jogo de desforra, a pedido dos soldados. A malta encheu-se de galhardia e mostrou, a toda a vasta assistência presente, a sua bravura e o seu empenho perante as dificuldades do quotidiano. E o público vibrou com o evoluir do marcador. Uma vez mais, os soldados foram as vítimas. 6 a 3 é o resultado que fica para a história.
Depois da contenda, umas bazucas de LM para refrescar as goelas antes do almoço, enquanto se comentavam os lances que mais e melhor encheram a retina dos espectadores.
— Correio! Correio! Há correio! — anunciou o Ressurreição, gritando no meio da parada para todos ouvirem.
Com os ouvidos colados nas paredes do Posto Receptor-rádio, seguia-se a progressão da coluna, aguardando-se, impacientes, a sua chegada com as novidades trazidas pelos companheiros de armas.
Esta passa a ser uma data importante para todos aqueles que receberam a primeira carta, ansiosamente esperada, de Portugal. As saudades da família, os conselhos para cuidados mil ter com o dia a dia e as notícias da terra preencheram o espaço das mensagens pro-venientes da Metrópole.
Continuamos sem pinga de água, porque ainda não foi possível reparar a avaria. Aguarda-se a chegada de uma peça importante.

Monday, December 12, 2005

QUINTA-FEIRA, 13 DE DEZEMBRO DE 1973

Manhã cedo, os motores das viaturas militares debandaram ao encontro dos TIR, dos autocarros e das viaturas ligeiras, estacionados no centro da vila. Foi a vez do 2º pelotão, ainda bastante traumatizado pela experiência trágica da semana anterior, embrenhar-se no pó da picada. Nada de anormal foi registado no decurso da viagem. Aos poucos, ganha-se calo para enfrentar o desconhecido e as dificuldades que, por certo, se aproximam em maior grau de dificuldade.


QUARTA-FEIRA, 12 DE DEZEMBRO DE 1973

A coluna do alferes Geraldo, da 3ª Companhia, destacado no nosso quartel, encontrou e desactivou na picada, a módica quantia de 44 minas. Para nosso bem, nenhuma conseguiu fazer baixas.
Desde o dia 9, que o quartel está sem água, por causa de uma avaria na bomba do poço. Quem quiser tomar banho desloca-se ao Seminário, com a permissão dos superiores, pois a caridade cristã ainda permite alimentar tal luxo.


SÁBADO, 8 DE DEZEMBRO DE 1973

Hoje, é feriado nacional! No mato, os dias passam encadeados na melancolia morna da rotina diária. O cerimonial da festividade esmorece-se na névoa do cacimbo que invade o capim.
De anormal, o nosso primeiro grande desafio de futebol. Serve-nos de consolação a existência de um campo em terra batida para equipas de 11 jogadores. 2-0 foi o resultado da vitória dos sargentos e oficias contra os praças. Durante a consagração dos vencedores, regada com muita cerveja LM, ficou no ar a sede de vingança, encomendada pelos soldados. A desforra está marcada para a próxima semana.
A 3ª Companhia, sediada em Mussacama, recebeu um pelotão de Comandos para actuar como grupo de reacção à coluna.


Saturday, December 03, 2005

QUARTA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO DE 1973

Por fim, aconteceu o indesejável baptismo de guerra. A coluna, comandada pelo furriel Miranda foi emboscada. Os turras quiseram saldar contas antigas com a “velhice” mesmo na hora da despedida. Dezassete militares portugueses, entre mortos e feridos, ficaram prostrados no solo avermelhado da terra que, por empréstimo, os tinha recebido, havia um ano, apenas, aguardando uma evacuação para a morgue ou para a enfermaria, e que, nestes momentos, sempre demora a chegar. Felizmente, os homens da nossa Companhia não sofreram baixas.
Grande coragem e lucidez teve o condutor Pinto para avançar com a pesada Berliet para além da linha de fogo, no segundo imediato ao rebentar do roquete na porta do lado direito, atirando sobre si com o corpo desfeito do homem que seguia sentado a seu lado. Com este valioso acto de coragem, o Pinto conseguiu salvar muitos companheiros das balas do inimigo. Parabéns, Pinto. És o nosso primeiro herói!
Não bastava o sucedido, a coluna teve ainda que gramar com o aparecimento de uma mina anti-carro e de várias anti-pessoais, camufladas na terra da picada.




TERÇA-FEIRA, 4 DE DEZEMBRO DE 1973

A um canto da tenda, isolado do burburinho próprio dos preparativos para a saída da coluna, o soldado recolheu-se no silêncio que inunda a alma e rezou. Rezou à Virgem de Fátima, pediu-lhe protecção para si e para os seus companheiros e prometeu-lhe ir visitá-la no Santuário se conseguir regressar ao convívio dos seus familiares são e salvo. Depois, atou o bornal à cintura, pegou carinhosamente na G-3 e ocupou o seu lugar no pelotão em formatura, na parada. Tinha consciência que o aguardava dois dias de árduo trabalho na picada, sujeito a enfrentar imensos e desconhecidos perigos.
A coluna pôs-se a caminho. Esta, com a particularidade de transportar a companhia que durante treze meses cumpriu nesta zona a sua heróica missão.
— Até pronto, amigos! Que a sorte vos acompanhe no resto da comissão!
Da nossa parte, quedamo-nos sós, entregues à nossa competência militar.
— Que Deus nos guarde e nos ajude!
À noite, um grupo de graduados, oficiais e sargentos, confraternizou à volta da mesa, na cantina do Mário Mendes. Da ementa, constou cabrito no forno.

SEGUNDA-FEIRA, 3 DE DEZEMBRO DE 1973

Aqui, o dia começa cedo. Cinco horas da manhã e a aurora, desperta pelo cantarolar dos pássaros, desponta airosa, colorindo a paisagem em tons garridos.
Com os flanqueadores a postos, a coluna seguiu até ao Cruzamento, não sem antes realizar uma breve escala na Cantina do Delfim, situada no lugar de confluência com um caminho em direcção ao Malawi.
Enquanto os motores descansam das tropelias da picada, o corpo retempera-se com uma cervejola petiscada com perdiz assada.
A troca de colunas realiza-se rápida. Militarmente, trocam-se os documentos oficiais e o correio ansiosamente aguardado por todos. Depois as viaturas militares invertem a marcha, regressando à origem em escolta às viaturas civis. Desta vez, dois machimbombos, uma dezena de camiões TIR e três carros ligeiros completam a parte civil da coluna, rumo à Tanzânia via Malawi.
No regresso, em velocidade de cruzeiro, as bermas da picada são flanqueadas com breves rajadas de metralhadora, servindo, a porcelana dos passadores dos fios eléctricos e as lâmpadas dos lampiões, de alvo para as balas tracejantes.
À chegada, ao entardecer, todos se esforçam para saber novas da coluna. Da nossa parte, missão cumprida.