Wednesday, November 30, 2005

SÁBADO, 1 DE DEZEMBRO DE 1973

Cinco horas da manhã. No parque-auto, os motores da Berliet e dos Unimog vibram com as primeiras rotações, num roncar, ora grave, ora agudo, provocado por acelerações cada vez mais fortes. Tanta barulheira despertou o aquartelamento.
Numa das tendas de campanha, servindo de dormitório para cinquenta homens, o soldado Vilela, bêbado de sono, aconchegou os lençóis e cobriu a cabeça com a almofada de esponja verde, descoberta.
— Toca a levantar, malta. — anunciou o 1º cabo Sousa.
Patusco, a quem fora confiada a tarefa de ajudar na cozinha, levantou-se de um salto e, enquanto enfiava o braço direito na manga da camisa, num ápice, puxou, para os pés da cama, o lençol branco, deixando a descoberto o corpo franzino e de carnes magras do Vilela.
— Acorda, malandro! São horas de ir para o mato! — gritou.
— Maldita sorte a minha. — lamentou-se Vilela, entreabrindo, a medo, os olhos, após uma demorada esfregadela.
— Bem que podia ter fugido para França. Burro, mil vezes burro! Besta! — exclamou de seguida.
— Isso, isso. Não te apresses e, depois, protesta por falta de tempo para o café. — retorquiu Patusco, ao abandonar a tenda.
— Qual café? Água preta. Aliás, tudo é preto nesta maldita terra. — bradou de novo o Vilela, ajeitando as cartucheiras, enquanto se dirigia para a arrecadação a fim de ajudar os companheiros no transporte dos cunhetes de munições.
O pequeno almoço foi tomado à pressa. Não há tempo a perder. Patusco, solícito, oferecia os seus préstimos, colocando grossas talhadas de margarina no quarto de pão branco e enchia de café, até transbordar, o caneco individual, de esmalte.
— Comei bem, rapazes. Precisais alimentar-vos bem para enfrentar os turras. Olhai que tendes muito para picar. E se precisardes de ajuda, é só chamar. Aqui o rapaz dá logo, logo, um pulinho e zás ... resolve-se a questão.
Mastigando, os últimos pedaços de côdea, alguns soldados subiram para a carroçaria das viaturas. Ocuparam os seus lugares e partiram para escoltar a coluna até ao Cruzamento.
A coluna, comandada pelo alferes Gonçalves, foi a primeira sob a nossa responsabilidade e saiu com 17 carros civis, quase todos camiões TIR.
Subindo morros e descendo ribeiros por entre capim molhado pelo cacimbo, os novos bravos da picada abriram fogo de reconhecimento. A caravana seguia lentamente após a passagem dos picadores que, cuidadosamente, iam sondando o trilho formado pelo rodado das viaturas nas constantes passagens.
Além dos aparelhos detectores de metais, habitualmente inoperacionais, os picadores serviam-se das picas — pedaço de ferro fino roliço e pontiagudo, colocado na extremidade de uma vara com cerca de um metro de comprimento — espetando-as na terra dura em busca de objectos metálicos explosivos, vulgo minas.
Por vezes, um som mais agudo despertava a curiosidade do operador da sonda que, quase por milagre, ainda conseguia funcionar. De imediato, o furriel especializado em minas e armadilhas ajoelhava-se, pronto a estudar a situação e afastava, com os dedos, a terra solta, no local indicado.
No rosto, a imagem de expectativa pelo encontro indesejável com o desconhecido é substituída por uma expressão de ânimo ao descobrir uma inofensiva carica de cerveja.
— Podia ter sido pior. — desabafou o técnico, soltando um profundo suspiro de alívio.A cena repetiu-se uma dezena de vezes ao longo de dois quilómetros. Depois, mais familiarizados com as diferentes intensidades de som nos auscultadores, os operadores tentavam captar sons agudos, indicadores de perigo iminente.


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