Saturday, November 26, 2005

SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 1973

09h15. O Boeing 707 das FAP aterrou no aeroporto de Luanda, para uma curta escala técnica. Fomos autorizados a visitar a aerogare por um período de três quartos de hora, tempo suficiente para uma revisão técnica ao avião.
O furriel madeirense, Araújo, aprestou-se a ser dos primeiros a chegar ao bar. Pediu uma Coca-Cola. Era o seu primeiro contacto com aquela bebida americana, em vinte e dois anos de vida. Custava-lhe entender a razão da proibição de uso daquela marca ianque, no seu país. Portugal até era “amigo” dos States. E as Províncias Africanas não pertenciam à mesma nação? Coisas da governação salazarista!
O furriel degustou com elevada sofreguidão a escurinha. De imediato pediu outra. E mais outra ainda. Era a sua vingança por tantos anos de interdição.
Retornada às entranhas da máquina voadora, a Companhia reconfortou-se com uma espécie de almoço aquecido a bordo. A espaços, a teia de nuvens brancas, diluindo-se lentamente, permitia observar o solo africano. Conseguia-se, com ligeiro esforço, descortinar as palhotas dos aldeamentos, povoando as clareiras dispersas na extensa floresta. Quanto esforço, outrora despendido pelos lusos exploradores do continente negro, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens? E então, lá íamos nós, os pacificadores das ingratas revoltas da libertação. Acorda país. É tempo de compreenderes que o tempo mudou. E ainda não foste capaz de entender as sábias palavras do poeta: “Um fraco rei torna fraca a forte gente”.
— Talvez um dia ... !



Às 14h45m. locais, finalmente, o avião rolava na pista do aeroporto da Beira. Aberta a porta do pássaro metálico, sentiu-se bater no rosto, em fluxos contíguos, a humidade quente do clima local.
Cambaleando, o cansaço tolhendo os movimentos, os militares pisaram solo moçambicano, após uma longa e extenuante viagem ao encontro do desconhecido.
Patusco, o soldado mais brincalhão da Companhia, estacou no último degrau da escada do avião, como o cavalo de D. Fuas Roupinho, no Sítio, Nazaré. Por breves instantes, olhou para o solo e, religiosamente, colocou a bota do pé direito no asfalto quente, não fosse o azar acompanhá-lo nos próximos dois anos.
No terraço do aeroporto, misturados com a gente anónima da cidade, curiosa para presenciar o movimento contínuo de aterragens e descolagens das enormes naves, uma Companhia inteira, em ensurdecedora algazarra, aprestava-se a regressar ao seu Portugal. Ditosos todos quantos tamanho desiderato conseguem cumprir. Aos infelizes, da lei da morte libertados, — paz às suas almas!
Na euforia pelo retorno à terra materna, cantavam, gritavam e berravam. E aproveitavam o momento para, segundo a praxe militar, desejar as boas-vindas aos novatos na Província. Impetuosos, aclamavam os recém-chegados:
— Sejam bem-vindos a África, checas!
— As tuas amigas, as minas, esperam-te na picada!
— Vai para o mato, malandro!
No trajecto para o quartel, e para descontrair a tensão nervosa acumulada ao longo dos últimos dias, — é urgente vencer o primeiro inimigo, o medo, — os mais extrovertidos lançavam piropos às mulatas, gingando o corpo esbelto, sob as capulanas de corres garridas, que lhes retribuíam, acenando da berma da estrada.
— Olá, borracho! Que coisa gostosa! Ginga o mataco, ginga!
— Então, coisinha bonita, tudo bem por cá?
— Muana, espera por mim, amanhã, à mesma hora!
Enquanto dezenas de frases telegráficas soavam no ar, os nossos olhares carregados de curiosidade varriam a beleza da paisagem tropical.



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