Friday, April 21, 2006

QUARTA-FEIRA, 24 DE ABRIL DE 1974

Para quê tanto esforço fútil? Porquê tanto sacrifício inútil? Porquê tantos mártires pela pátria que os despreza?
Por unanimidade, foi decidido em conselho de pelotão, abancar nos arredores da vila. De dia, patrulha-se em círculo, zigue-zagueando de modo a regressar ao ponto de partida e pernoitar abrigados. Não cultivamos a audácia de falso heroísmo em benefício de terceiros. Preferimos o desprezível cognome de cobarde vivo, à memória sumptuosa de herói morto.
Para amenizar possíveis consequências futuras, nem a propósito, até o rádio para contacto terra-ar avariou-se, no seguimento de uma queda inadvertida do cabo transmissões Gomes.
Foi, pois, sem espanto que o grupo de combate pode observar, hoje, um par de horas depois do sol acordar, dois aviões Fiat, em voo raso sobre as copas da floresta, rumo ao azimute preestabelecido. Não nos pesa a consciência de não satisfazer, não a ordem do capitão Carvalho, mas a ganância cega dos senhores da guerra.
A tropa sobrevive sempre com o dedo colado ao gatilho, como que acariciando a sua doce namorada, na sucessão dos dias e das noites. Há muita tensão no ar. Parece adivinhar-se alguma surpresa, só não sabemos para quando.


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