Thursday, February 16, 2006

SEGUNDA-FEIRA, 18 DE FEVEREIRO DE 1974

A partir de hoje, a responsabilidade de reacção na coluna passa a ser da 3ª Companhia que, para o efeito, deslocou um pelotão para o Zóbuè, libertando a nossa Companhia para melhor patrulhar o terreno.
No regresso a casa, por três vezes e em diferentes localidades houve troca de tiros entre os turras e as NT. Os tiros de Kalash foram disparados de pontos distantes em relação à picada.
Poucos minutos tinham passados depois da última flagelação, quando foi interceptado um negro montado numa ginga, em sentido contrário ao da coluna.
Todo o negro é suspeito. Interrogado pelo alferes, o pobre diabo, angustiado, com o medo estampado nos olhos fixos no cano da G-3 apontada à cabeça, deveria imaginar-se a pouquíssimos ins-tantes do juízo final. E implorando pela divindade, negou a sua relação com os guerrilheiros.
— Xi, patã! Mim nã ser frelimo.
— Então o que fazes na picada? A pôr minas para matar a tropa?
— Xi, mim não tem minas. Mim ir no picada trabalhar no machamba
— Pois, pois. Vais trabalhar nas minas!
— Por Deus, jura mesmo. Nã mata eu! — suplicou o homem, banhado em suor e tremendo da cabeça aos pés.
— A tropa não mata preto, mas preto põe minas e mata a tropa. É bom?
— Nã senhô! Nã mata hôme, por favô! Tem pena, senhô!
Que fazer perante estranha situação? Detê-lo? Eliminá-lo? E se fosse verdade que não pertencia à Frelimo? Pesar-lhe-ia para o resto da sua vida um crime que nada justificava?
O desgraçado fedia a catinga. O odor penetrava muito para além dos cílios nasais. Numa fracção de segundos, o alferes recordou-se da sua família. E com os olhos rasos de água, dirigiu-se, de novo ao pobre homem e como o Nazareno, falou.
— Vai, sume-te da minha vista. E nunca mais apareças na picada, diante de uma coluna.



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