Monday, July 24, 2006

TERÇA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 1974

A data de hoje, a exemplo de outras, ficará para sempre na história desta Companhia.
A coluna de hoje transportou consigo novidades. Durante a noite, o pessoal resolveu” dar uma oportunidade ao IN. Enormes dísticos brancos com breves mensagens foram apostos nas viaturas militares. “Viva Moçambique”, “Portugal e os Moçambicanos, irmãos”, “Frelimo, luta justa”, “Camaradas, não às armas”, “Estamos com a Frelimo”, “Paz e Independência para Moçambique”, foram alguns dos slogans que fizeram enfurecer os brancos europeus, exploradores dos bens naturais e da vida dos indígenas. Os novos colonizadores ultramarinos tentaram mesmo investir contra a tropa, chamando-nos de traidores à pátria — Qual Pátria? A deles? A que nos escorraçou de nossas casas, do seio da nossa família e que, cultivando a mentira, nos desterrou em pleno mato, lançados à nossa triste sorte, sempre sob a capa hipócrita da religião?
Nem as ameaças de queixinhas aos comandantes militares fizeram surtir qualquer reacção contrária da parte dos nossos militares, muito menos retroceder nos seus propósitos. Com o atraso de quase uma hora, a coluna iniciou a marcha, escoltando apenas as viaturas pesadas, conduzidas por estrangeiros, perante a recusa dos nacionais.
Para os negros desta província ultramarina, a audácia e a coragem da tropa para encetar contacto com o IN, despertou-lhes enorme satisfação. Sabem que os militares portugueses aqui se encontram, contrariados, para protegê-los, mas também sabem que a tropa, tal como eles, está farta, cansada desta guerra que só traz tristeza, dor e morte para ambos os lados.
A coluna fez-se, ainda, sem flanquear, nem picar. No Delfim, foram distribuídos papéis, onde se podia ler a opinião da tropa acerca desta guerra asquerosa. No encontro das colunas, no Cruzamento, verificou-se que as outras duas colunas traziam apenas duas bandeiras brancas, ficando eles muito surpreendidos com o nosso arraial.
Ao chegarmos ao Zóbuè, as viaturas militares fizeram uma passagem pelos aldeamentos, sendo recebidos pela população como se de uma festa se tratasse, com vivas à tropa e a Moçambique. Aguarda-se pela reacção imediata da Frelimo.
Entretanto, Portugal cortou relações com o Malawi, devido ao apoio prestado por este país aos grupos reaccionários do Jorge Jardim. Fala-se que o J.J. tenciona entrar em Moçambique pelo Zóbuè. Pelas bocas que se ouvem e pela vontade dos nossos militares, é melhor que não.


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