Tuesday, July 18, 2006

QUARTA-FEIRA, 17 DE JULHO DE 1974

Há muita efervescência por parte dos senhores da guerra, na província de Tete. Depois da visita das chefias, na semana passada, dos maiores, ontem, o comandante da ZOT, acompanhado pelo major do Batalhão 5014, efectuou nova visita ao nosso quartel, para contactar os oficiais. Contudo nada transborda para os sargentos e praças. Top Secret! Sabemos, apenas, que estas visitas também têm tido lugar nas outras Companhias. O vento sopra-nos que só estudam a mudança da Companhia para outra localidade, quando tivermos completado um ano de comissão. Será? Entretanto, anuncia-se para amanhã, nova visita importante: a do tenente-coronel do Sector F.
Temos informações, via rádio, que em Vila Coutinho e em Nampula a guerra acabou, graças a algumas reuniões entre as duas partes bélicas. Agora, a Frelimo e a tropa portuguesa confraternizam e realizam jogos de futebol.
Há já uns bons tempos que andamos a fazer a coluna num só dia, o que, de verdade, é um grande risco para todos. Mas nestas condições, muito fogo é atirado para o mato. Parece uma emboscada ambulante.
Na coluna de hoje, ao sair da zona dos 10%, os militares transportados no cerra-filas estranharam o facto do jipe da PIDE-DGS seguir a coluna mais ou menos a cerca da trezentos metros. Como por segurança e obrigação aquela é a viatura que encerra a coluna, o furriel da secção aguardou a chegada do carro da ex-polícia política para ser incorporado na coluna. Com admiração, os militares puderam observar, à entrada de uma curva, o Land-Rover verde escuro, conduzido pelo chefe daquela força política, penetrar no mato, tendo como passageiro um negro, trajando de branco.
— Talvez vão caçar! — afirmou o furriel.
Mas naquela zona, só galinhas do mato.
Estranho foi o facto de, no regresso da coluna, o mesmo jipe, conduzido pelo mesmo condutor, aproveitar a passagem das viaturas militares para segui-las rumo à vila. Só que do acompanhante negro, nem sombra. Desconfiados com estranho procedimento, os furriéis Lima e Araújo, junto da moagem, abordaram o jipe, tentando saber a que se devia tão desusado comportamento, fora da alçada da segurança prestada pelos militares à coluna.
— Então, problemas com o carro? — interrogou o furriel madeirense.
— Não, não! Tudo bem! — respondeu o homem.
— Mas de onde é que saiu? — insistiu o furriel.
— Fui só despejar lixo ao mato! — exclamou o chefe.
Enquanto durou o breve interrogatório, o furriel Lima, inspeccionando, de soslaio, o interior do carro, pôde observar que no banco da direita jazia um velho cobertor cinzento, em lã, manchado de sangue e sobre o qual dormitava um par de algemas.
— Grande filho da puta! Levou o preto para o mato e despachou-o. — afirmou o Casa Pia.
— E o preto? Onde está o preto que foi para o mato, de manhã? — questionou-o de seguida.
— Qual preto? Não há preto nenhum! — respondeu o condutor.
— Apetece-me descarregar um carregador inteiro nos cornos deste cabrão. — desabafou, bufando de raiva, o furriel alfacinha.
A prova desta suspeita nunca será conhecida. Temos é a certeza de vários indivíduos, acusados de colaborarem com a Frelimo terem sido presos, torturados e desaparecido sem deixar rasto.
Até prova contrária, nesta terra, todo o negro é suspeito de conspirar contra a segurança da nação. Vezes sem conta, os bufos da PIDE invadiram as cubatas das sanzalas, buscando virtuais guerrilheiros disfarçados de agricultores, suspeitos de esconderem armas e minas nas machambas e no colmo da palhota. Vezes sem conta, ho-mens, mulheres e crianças foram violados e abatidos a frio, acusados de falta de colaboração com as autoridades. E quantas orelhas e quantos dedos foram museologicamente guardados em frasquinhos de álcool como trofeus de caça para os amigos contemplarem.
Para a Administração Civil e para a PIDE urge liquidar os resistentes como quem dizima os mosquitos, para exemplo dos de-mais, nem que os inocentes tenham de pagar com a vida pelos verdadeiros culpados.
— Morte à PIDE-GDS!


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