Tuesday, July 18, 2006

SEXTA-FEIRA, 5 DE JULHO DE 1974

À saída do Zóbuè, o pó da picada apresentava pegadas de galinhas do mato, em correria, de um para o outro lado da estrada.
— Furriel, já reparou na grande quantidade de marcas na picada? — alertou o condutor Águia.
— Pessoal, comecem a flanquear e a picar. E tenham muito cuidado. — ordenou o furriel responsável pela coluna com 52 carros, quase todos camiões.
Às oito horas da manhã, a coluna do 1º pelotão, comandada pelo furriel madeirense, foi emboscada logo a seguir aos 10%, quando os flanqueadores penetravam no mato, para além do habitual. Os primeiros tiros do IN lograram atingir um braço do Azevedo e o abdómen, na região lombar, do cabo Costa. Durante duas horas, as NT reagiram ao fogo contínuo do IN.
Enquanto os nossos militares foram valentes debaixo de fogo, no outro lado da guerra, via rádio, o maioral mostrava-se mais preocupado com a perda de uma qualquer viatura em detrimento de um ser humano.
— As viaturas sofreram muito?
O furriel ficou atónito com o que ouviu e pareceu-lhe não entender a pergunta.
— As viaturas estão muito danificadas? — insistiram do comando do Batalhão.
— Temos três foxtrots, dois deles graves. Precisamos, evacuação rápida. Enviem as moscas, urgente. — gritou aflito o furriel madeirense, recém regressado das férias.
— Nosso furriel, homens, há muitos. Manda-se buscar mais, à Metrópole. As viaturas é que são poucas e demasiado dispendiosas. — retorquiu a mesma voz de falsete, ecoando no auscultador do Racal, ao cuidado do cabo Gomes.
— Puta de guerra! Morte à chicalhada! — gritou, enfurecido, o furriel Lima.
— São gajos como este que desgraçam o país. E andou uma mãe a criar um filho para vir aturar esta merda de vida. Não fui feito para isto. — berrou o Casa Pia, deveras exaltado.
Entretanto, o cabo enfermeiro, Fernandes, depois de correr mais de cem metros na picada ao encontro dos feridos, prestou, sob fogo intenso, todos os cuidados médicos possíveis, aos companheiros tombados no solo. Passadas três longas horas, — no mato, debaixo de fogo, uma hora equivale a um século? — as moscas, finalmente, chegaram para recolher os feridos.
O terceiro ferido, o cabo João, apesar do seu ferimento ligeiro, aproveitou a presença dos helicópteros para tratar, no hospital de Tete, dois dedos da mão esquerda, esfacelados ao lançar granadas de morteiros, na carroçaria da Berliet. Felizmente, nada mais grave aconteceu. Mesmo assim, o condutor Águia ganhou uma queimadura ligeira junto da vista esquerda. Suspeita-se de uma tangente efectuada por uma bala que deixou marca na chapa blindada, sobre a qual estava montada a HK-21.
Pelo meio-dia, o caga fumo do Zóbuè, como é conhecida por todos a nossa Berliet devido ao rasto de denso fumo negro deixado na sua passagem, retomou o seu percurso, avançando com lentidão e sempre envolvida numa nuvem de poeira.
A desmoralização pelo sucedido foi rapidamente vencida pela revolta e pela vontade terrível de vingança pelos companheiros em sofrimento.
À noite, soube-se que a Frelimo reunira os seus quatro grupos de combate, actuando nesta zona, comandados pelo chefe Mateus, para fazer a despedida à tropa portuguesa. Afinal, o IN sabe mais sobre a actualidade do futuro de Moçambique do que os milita-res que cumprem obrigatoriamente a sua comissão ultramarina.

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