Tuesday, April 11, 2006

SÁBADO, 23 DE MARÇO DE 1974

Chegada de mais uma coluna. Serviço sem problemas de maior. Maquilhados com o pó e a lama, os corpos lassos pela fadiga acumulada durante dois dias na picada, mas na alma a alegria do dever cumprido, os bravos da picada procuram algum reconforto físico no repouso da tenda de lona, aguardando uma refeição quente. Mas são as notícias fresquinhas, acabadas de sair do saco do correio, proveniente da Metrópole, que melhor reconfortam o espírito. São as mensagens dos pais, dos irmãos, dos amigos e da noiva ou namorada, algures na Europa, no distante Portugal, que animam a tropa. E quando o cabo Silva põe a boca na corneta, chamando para o jantar, é ver o pessoal, com a marmita na mão, a correr para a fila do rancho. Mesmo que o prato seja arroz com estilhaços de frango. Fome é mato! E há maningue de fome!
O 4º pelotão está fora do quartel por três dias, em patrulha aos arredores da vila. O grupo está sem ligação via rádio, porque os aparelhos estão avariados.
— Há quantos dias só há um Racal operacional, meu capitão?
— Parece que se anda a brincar à guerra.
— Só falta combinarmos com o IN os dias de guerra. Assim como a guerra do Raúl Solnado. Podíamos atacar às 2ª, 4ª e 6ª feiras e eles às 3ª, 5ª e Sábados. Ao Domingo, descansávamos todos. Podíamos até fazer uns jogos de futebol, uma jantarada na cantina da vila e aproveitávamos para combinar a táctica bélica para a semana seguinte.
— Ó Gomes, se houver azar, você lança uma morteirada ou envia uma secção ao quartel para nos informar do sucedido. — afirmou o capitão, em tom jocoso.
Nesta guerra de interesses, quem tem auto-estradas nos galões é que manda. E quantas mais e mais largas, maior é o poder do mandato. E o capitão, tão miliciano como todos nós, tem de fazer cumprir as ordens recebidas, sob pena de ser considerado arguido em processo disciplinar, segundo as normas do R. D. M.
— Oh! Vã glória de mandar!
O ambiente está cada vez mais tenso. Ontem, ao almoço, não sei porquê, aconteceu um desentendimento entre furriéis e alferes. Estes consideraram grave o sucedido e ameaçaram, de futuro, participar ao capitão.
— Como é, meus alferes? Estamos ou não todos metidos no mesmo buraco?
— Somos ou não todos milicianos?
— Profissionais da guerra, só os dois sargentos, senhores oficiais!
Mais uma viatura ligeira civil, tipo carrinha, aventurou-se pelo mato dentro em direcção à Tanzânia. E os seus cinco ocupantes, duas raparigas e cinco rapazes, de nacionalidade nórdica, também pediram protecção nocturna até transporem o posto fronteiriço. Jantaram na messe e depois fez-se um show com muita música acompanhada com três violas. Claro que o pessoal focou a atenção, de olhos esbugalhados, na carne branca das mulheres loiras. Depois de tantos meses sem poder observar um quadro destes, as glândulas salivares entraram em erupção alimentar pela libido.


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