Thursday, March 16, 2006

DOMINGO, 17 DE MARÇO DE 1974

Ontem, em Portugal Continental, um grupo de oficiais revoltou-se, nas Caldas da Rainha. Opunham-se ao regime vigente. Quem não se opõe a tão famigerada ditadura? Os revoltosos acabaram atrás das grades. Mas na panela já começou a fervura. E qualquer dia transborda.
A senda das minas continua. De regresso ao Zóbuè, a pouco menos de 100 metros do local da mina de ontem, foi accionada por um camião da CLAN, uma mina. Vá lá que foi no rodado traseiro e o “animal” vinha bem carregado. Como tinha dois rodados na reta-guarda, foi possível rebocá-lo até à vila. O alferes Gomes, comandante da coluna, em chegando aos 10%, ordenou ao condutor do 411 para acelerar, pirando-se para o quartel, sem dar cavaco aos outros graduados da coluna, os quais ficaram atónitos com tão estranha reacção daquele responsável por tantas vidas e bens.
— Senhor alferes, Avante, camarada! Mas, para um democrata assumido, não lhe ficam nada bem estas atitudes!
Um casal alemão, fazendo-se transportar numa carrinha Volkswagen, após ver e ouvir o detonar da mina, amedrontou-se e receando pela sua segurança, solicitou à tropa protecção e autorização para guardar a sua viatura no interior do quartel.
A malta anda descontente. Há duas semanas que só come arroz empastado com salsichas, para o almoço e salsichas com arroz empastado, ao jantar. Estamos a fazer uma dieta com “massa consistente”, dizem as más bocas.
— Não há outra coisa para comer? — perguntaram os soldados.
— A sorna dos cozinheiros só dá para cozer arroz empastelado. — afirmou um soldado moçambicano.
— Na tua palhota, lá bem no meio do mato, só comias ervas, mandioca, massarocas e béuas. — respondeu-lhe o chefe dos cozinheiros.
— Ao menos cozam lombrigas de esparguete ou estilhaços de frango. — sugeriu o soldado Tomé.
O furriel Fernandes, vague-mestre do pessoal, do alto dos seus 1.80m, justifica-se com a verba a despender por cabeça ... 19$00, por dia. Em consequência, já há quem prometa ir jantar à vila, mesmo que seja obrigado a transportar granadas à cintura.
Neste contexto, quem jura não sair do quartel é o Cara de Bife, o corneteiro, ajudante da cozinha que, de tanto descascar batatas e seguir o exemplo do chefe cozinheiro, vai aumentando de peso e a farda começa a apertar-lhe no corpo.

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