Sunday, December 03, 2006

SEXTA-FEIRA, 6 DE DEZEMBRO DE 1974 (Continuação)

Quando as viaturas militares iniciaram a marcha da coluna final, já a população dos aldeamentos apinhava-se na berma da estrada para saudar e agradecer a presença da tropa portuguesa na terra de Moçambique.
— Kanimambo, militares portugueses. Obrigado por tudo o que fizeram por nós. — agradecia um velhote, dirigindo-se ao encon-tro das viaturas, com as mãos elevadas ao céu.
— Adeus! Tá! Tá! — despedia-se, choramingando, uma velhota sumida de carnes, rodeada por uma chusma de crianças em algazarra.
E no ar, misturado com o roncar grave das Berliets, Toyotas, 404 e 411, soava melancólico o eco dos gemidos, choros, risos e sorrisos da multidão que pouco mais tem de seu do que nada.
E o velho cipaio, do interior dos restos da velha farda amarela, com os olhos rasos de água, vendo-nos partir, felizes pelo regresso, acompanhou o seu último aceno com a voz trémula, afogada na emoção e ainda conseguiu murmurar:
— Obrigado, tropa portuguesa. Meu povo vai passar fome maningue, vai sofrer maningue e vai morrer maningue de gente.
De olhos postos no padrão nacional erigido na vila, junto ao posto fronteiriço com o Malawi, questionámo-nos, em silêncio, até quando permanecerá o derradeiro sinal físico, marco secular da presença de Portugal na terra moçambicana.
E já com as viaturas em velocidade de marcha, devorando o asfalto abrasivo da estrada, lançamos um derradeiro olhar para o quartel, onde as tendas, a arrecadação, a messe, os casebres ... brilhando à luz do dourado sol africano perpetuam no mais íntimo de cada um de nós as tristezas e as alegrias nele vividas durante um ano e sete dias. E tem-se a certeza de ali termos deixado grande parte da nossa juventude, devorado pelos fantasmas do gigante de pedra da fronteira com o Malawi.
— Zóbuè, até ... !


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