Tuesday, June 13, 2006

DOMINGO, 30 DE JUNHO DE 1974

Toda a Companhia vive momentos de alta tensão, sob a ameaça de um bombardeamento. Quando menos se espera, os balázios começam a cair sobre nós. Resta-nos o refúgio dos abrigos subterrâneos e ripostar com acerto e segurança.
Sentimo-nos órfãos, com a “fuga” do Capitão, com a ausência do novo comandante e com o afastamento dos que estão em férias, mas faremos tudo o que estiver ao nosso alcance, e o melhor possível para enfrentar e suplantar todas as dificuldades.
Por rádio, tivemos conhecimento da recusa dos pilotos aéreos das avionetas civis, em voar para o Zóbuè. Alegam motivos técnicos, mas sabemos que o verdadeiro motivo é a ameaça que paira no ar.
A luz apagou-se às 19 horas e não houve saídas para a vila.


TERÇA-FEIRA, 25 DE JUNHO DE 1974

Hoje é o dia da Frelimo. Talvez para comemorar a data, agora, foi a vez da 1º Companhia do 5014, baseada em Doa, a sentir na carne as agruras de um bombardeamento pesado. Foram feitos alguns feridos, posteriormente, transportados para a capital do distrito.
Nos aldeamentos, fala-se que as 2ª e 3ª Companhias deste batalhão serão as próximas vítimas. Pelo sim, pelo não, o novo comandante, alferes Gonçalves, deslocou-se ao QG da ZOT, para pressionar as altas esferas militares a enviar um morteiro 81, há muito requisitado.
Fomos informados que a Frelimo deixou em Caldas Xavier um papel com a data do ataque ao Zóbuè — dia 30 de junho. Com estas notícias, o pessoal anda receoso perante a situação de ataque iminente.
Num destes dias, a Companhia recebeu um aerograma, no qual era pedido para se recusar a combater. Esta é, de facto, a nossa ideia, se não for encontrada uma solução para o problema de Moçambique.
O irrequieto alferes Casalta carimbou o seu dia de azar. No campo de jogo, tropeçou na bola e caiu mal. Como bom estratego que é, foi evacuado com suspeita de fractura no braço. Só ficamos com um oficial.O estado geral da Companhia está a ficar abandalhado e desleixado. Se o Comando do batalhão soubesse...

SEGUNDA-FEIRA, 24 DE JUNHO DE 1974

A CCS do Batalhão 5014, sediada em Caldas Xavier, foi atacada com morteiros, canhão sem recuo e tentativa de golpe de mão. Cinco feridos foram evacuados para o hospital de Tete, entre eles um sargento e dois furriéis. Estamos feitos às kalashs!

TERÇA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 1974

Fala-se que há dois grupos de turras, fortemente armados, prontos para atacar o Zóbuè, sendo um para o quartel e outro para a vila. Estas notícias deixam os militares com os nervos em franjas.
Na Metrópole, o povo está na rua ao lado das Forças Armadas para proteger a jovem democracia e grita:
"O POVO ESTÁ COM O MFA".


DOMINGO, 16 DE JUNHO DE 1974

Domingo sem futebol não é domingo! É mais um dia aborrecido.
Informações recebidas no quartel dão conta que a Frelimo prometeu não actuar durante o período de conversações, tendo mesmo fornecido indicações sobre as picadas que estão minadas. O Samora Machel, apesar de enfermeiro e bonacheirão, é esperto. Mas os seus seguidores não nos convencem de todo.
— A luta continua. Independência ou morte, venceremos! — é o slogan de guerra dos frelimos, comandados pelos seu chefe supremo.
De manhã, chegou ao quartel, um negro ferido. Após o interrogatório da praxe, averiguou-se que caiu numa espécie de emboscada, na picada entre a vila e Mussacama. O seu acompanhante acabou morto, em resultado dos ferimentos recebidos. O furriel Marques, com uma secção, deslocou-se ao local e confirmou o sucedido num zona plana, onde geralmente, não é costume flanquear. Felizmente para nós que isto aconteceu aos outros. Porque a mania das directas ainda acaba mal. Nunca fiando!


Thursday, June 01, 2006

QUINTA-FEIRA, 13 DE JUNHO DE 1974

O calor voltou ao Zóbuè.
Dia de Santo António e do Corpo de Deus. Duplo feriado. No mato não há feriados nem festa. Festa, há em Lisboa e muita, com bailes, arraiais e festas.
Os bufos da nação informaram que está a ser preparada uma grande emboscada para a nossa coluna, como despedida das actividades bélicas. Logo, não se deve fazer o trajecto de ida e volta, em directa, num só dia. Temos de incrementar os cuidados para a segurança de todos.



QUARTA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 1974

Oficialmente, tiveram início as primeiras conversações com responsáveis da Frelimo. Aguardamos pelos resultados.
Amanhã, o capitão Gomes Carvalho abandona a Companhia com destino aos GEPs. E vai de avião, porque é mais seguro do que na picada.
— Picada? Já basta ser obrigatório fazer a coluna. — afirmou o nosso chefe.
Se é verdade que não se pode agradar a todos, também é verdade que conseguiu fazer amizade com a grande, grande maioria dos militares da Companhia. Como responsável máximo pela Companhia, sempre tentou dar o seu melhor de si próprio, emprestando um cunho humanista, quer nos ensinamentos que nos transmitiu, quer no modo como abordou as dificuldades pessoais, quer na compreensão com que presenteou os seus subordinados quase sempre com um sorriso estampado nos lábios. Muito importante: nunca sentenciou uma punição a um soldado, comungando sempre através da palavra o diálogo na defesa dos homens que comandou.
Desejamos um futuro risonho e que a felicidade o acompanhe.
Na formatura das 15 horas, o capitão aproveitou a ocasião para se despedir dos seus militares. Mas a emoção foi grande e quase não conseguiu falar.
Para festejar a sua despedida desta zona de intervenção infernal, nada melhor do que umas loirinhas fresquinhas pela garganta abaixo, à sombra da palhota do quartel.
— Ó 4L, arranja aí umas cervejas para o pessoal da Companhia. No fim, salda-se a conta.
— Meu capitão, tome-as à vontade. Se for preciso, o furriel Rochinha trás um burro do mato e passa-lhe um reboque. — afirmou o primeiro sargento, enquanto bufava um jacto de fumo dos restos de um Commodoro.
— Nada disso, ó Mingas. Estou vacinado contra todos os éteres. — respondeu o Capitão, desatando uma interior gargalhada.
À noite, o pessoal quis aproveitar os últimos instantes do dia, permanecendo próximo do seu maior. Mas o estado anormal da Companhia — que grande bebedeira colectiva! — descambou em tiroteio e muita confusão. Pelas 23 horas, ouviu-se o estranho soar de um tiro no quartel. Como reacção, foi um ver se te avias a pegar nas armas e a correr para os abrigos, seguido de um verdadeiro festival de tiros ao desconhecido.
Quanto à Companhia, ficará a ser comandada interinamente pelo alferes mais antigo da Companhia, o Gonçalves.