Sunday, May 21, 2006

DOMINGO, 2 DE JUNHO DE 1974

A rádio informou que terão início, dentro de dias, em Lusaka, capital da Zâmbia, as conversações de paz para Moçambique, entre os representantes portugueses e os da Frelimo.
Mais outra coluna aumentou o seu pecúlio de ida e volta no mesmo dia. No regresso, vieram uns turistas que, como de costume, ficaram no quartel. Trata-se de um casal de jornalistas suíços. Mas como no Malawi é proibido entrar jornalistas, o simpático casal terá de regressar na próxima coluna.


QUARTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 1974

O pessoal da Companhia recebeu o pré. Logo, foi dia de bebedeira. E os desentendimentos entre os militares africanos, aconteceram com muitas cenas tristes. Infelizmente, entre nós, há muita gente retrógrada. Recebem pouco e esse pouco gastam-no num curto espaço de tempo. E então, lá se foi o dinheiro e a bebida também. Resta a miséria e a boca com o amargo sabor da ressaca.


TERÇA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 1974

Tiveram, hoje, início conversações entre Portugal e o PAIGC, na Guiné. Para quando as conversações com a FRELIMO?
Estamos fartos disto! Queremos sair de daqui! Queremos regressar a casa! Esta terra não nos diz nada. Moçambique é deste povo que nasceu, vive, luta e labuta aqui! É desta gente de cor, negra, amarela e branca, pobre e explorada até ao tutano por colonialistas sem escrúpulos, prenhes de ganância supérflua.
— Moçambique para os moçambicanos, já!


DOMINGO, 26 DE MAIO DE 1974

Um grupo de combate foi escoltar um carro civil que transportava gado bovino para a Viúva Henriques. No regresso, via Angónia, trouxeram 10 Berliets “esquecidas” lá pelos lados de Vila Coutinho.
— Uns com demasiado, outros sem nada!
À tarde, jogo de futebol com os seminaristas. O pessoal jogou muito mal, sem organização nem espírito competitivo. E também os nossos melhores jogadores não estiveram em campo. No outro lado, a equipa adversária parecia que jogava com o apoio das divindades cristãs.
Abriu a caça às béuas! Os soldados do contingente local lançaram-se ferozes, em busca das béuas. É a oportunidade de se alimentarem com carne fresca, em pleno mato.
Em silêncio, esgravatam a terra, onde o cheiro a urina dos roedores é mais intenso. Introduzem os braços nas tocas cavadas pelos animais e apertando-os com as mãos cerradas, puxam-nos para o exterior. Atirados ao chão com estranha violência, depois seguram na presa pela ponta da cauda para espezinhar-lhes a cabeça.
Se em operação pela mata, as béuas são, em seguida, assadas num pequeno braseiro, acabando consumidas como uma dádiva da natureza. Por outro lado, se os soldados estiverem no quartel, depois de consumada a caça, as béuas são entregues às mulheres que os aguardam na sanzala, junto do quartel, para serem depositados numa panela, onde jazem outros murganhos, esperando a ocasião para lhes proporcionar uma fausta refeição, acompanhada com fuba cozida e molho de caril.
Se este curioso procedimento repugna os militares europeus, o mesmo podemos dizer da caça aos caracóis encetada pelos soldados brancos, por ocasião das chuvas. É, então, o momento dos africanos se repugnarem com tão natural e especial iguaria portuguesa.

SEXTA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 1974

A coluna, comandada pelo furriel Carlos Marques pernoitou em Capirizange. O furriel não quis arriscar numa directa para o regresso, como costuma fazer o alferes do seu pelotão. Dos alferes e furriéis, ele é o único que, a comandar a coluna, ainda não saboreou o prazer de retornar ao Zóbuè no mesmo dia. É verdade que quem não arrisca, não petisca e que a sorte protege os audazes. Mas também é verdade que não se deve brincar à guerra e estar sempre a desafiar a morte. Homem prevenido vale por dois!


Thursday, May 11, 2006

QUINTA-FEIRA, 23 DE MAIO DE 1974

O coronel, comandante do Sector, veio visitar a Companhia e mandar umas papaias aos pessoal.
— Esta é de todas as Companhias estacionadas neste sector, a que eu mais gosto!
— Estou muito satisfeito com o vosso trabalho!
Quem vai acreditar nisto? Ele tem é que dizer estas baboseiras para nos agradar. Que trabalhamos bem, todos sabemos. Que fartamo-nos de apanhar porrada e que reagimos de acordo com as situações, toda a gente sabe, em Tete e arredores.
— Meu coronel, antes do 25 de Abril não nos veio cá dizer essas coisas!


QUINTA-FEIRA, 16 DE MAIO DE 1974

A coluna detectou 6 minas anti-pessoais e 2 minas anti-carro. Os turras, às vezes, até são espertos. Não é que tiveram a coragem de colocar duas minas anti-bota sobre as anti-carro? Quer dizer, se alguém pressionasse a caixa de pomada, desfazia-se em mil e um pedaços.


QUARTA-FEIRA, 15 DE MAIO DE 1974

Ontem, no regresso da coluna, houve necessidade de fazer uma evacuação aérea de um soldado que ficou entalado entre duas viaturas, por falta de travões de uma delas.
O primeiro grupo de felizardos partiu para Portugal, em gozo de férias. Os furriéis Araújo, Guerra e Silva e o alferes Gomes voaram de táxi aéreo para Tete. Vamos sentir a falta deles, mas ficamos contentes por eles, porque, em breve, para alguns de nós, a alegria do encontro com a nossa família será uma realidade.



DOMINGO, 12 DE MAIO DE 1974

O tempo arrefeceu. A coluna saiu sob o comando do capitão Carvalho. A patrulha que ocupa o Morro da Mosca observou uns tipos na picanda a colocarem uma mina. Apesar da perseguição fracassada, os militares fizeram explodir a dita mina.
A coluna não transportou carros civis porque o Batalhão não autorizou. À chegada a Mussacama, numa enorme poça de água, os detectores deram sinal de objectos metálicos. Para desfazer a dúvida, foram atirados dois petardos que transformaram a poça de água numa gigantesca cratera.
Na cantina do Delfim, o comandante foi informado da existência de novidades, na picada. Logo mais à frente, soaram sinais metálicos nos auscultadores. Nada que um petardo, explodindo no lugar exacto, não resolvesse, pois ninguém é tão tolo que por uma ninharia de escudos vá arriscar a sua vida e a dos outros, só para despoletar e levantar uma mina.
Foi detectada uma mina anti-pessoal, na Escola. Há muito que elas já não apareciam por aqui.

QUINTA-FEIRA, 9 DE MAIO DE 1974

Continua a chover torrencialmente! Por tal facto, a coluna não conseguiu atingir Capirizange, no dia da saída. Foi pena! Mas também foi muito bom — que nos perdoem os nossos companheiros da coluna — para Sua Excelência ver in loco o árduo trabalho e os inúmeros sacrifícios que a tropa desta Companhia faz para que os coronéis possam descansar e enriquecer à conta desta guerra de conveniência.
— É assim a guerra dos maiorais! — afirmam os militares subalternos.
— Ele devia ficar atascado até ao pescoço! — afirmaram vários militares, extravasando a sua revolta.
O IN fez notar a sua presença no terreno. Uma mina anti-pessoal foi accionada por um soldado da 3ª Companhia e rebentou uma mina anti-carro numa viatura civil.
Na Beira, houve também alguns problemas com a Frelimo: dois mortos e comboios destruídos.


QUARTA-FEIRA, 8 DE MAIO DE 1974

Voltou a chover e com bastante intensidade, agora que as máquinas vão embora, após os trabalhos de recuperação da picada.
O major Sampaio que está no Zóbuè há dois dias, a inteirar-se de um espaço favorável para a instalação da CCS — que azar o nosso! Termos que gramar a chicalhada! — apanhou o grupo do alferes Vale, o 3º pelotão, abancado na moagem, à entrada da vila. O que vale é que o grupo só hoje saiu do quartel.